domingo, 5 de fevereiro de 2012

Remexendo as gavetas e os arquivos...



... Encontrei esses dois textos que escrevi faz tempo, sobre São Paulo. Um pouco tardia essa minha homenagem, mas acho que está valendo ainda.

Arborescendo
           
Ei, jovem, o que faz aí, sentado neste banco? Aprecia a paisagem? Eu também. Você não sabe, mas eu vejo, ouço e sinto tudo o que se passa a meu redor. Se pudesse falar, traria problemas para muita gente. Não que eu quisesse ser fofoqueira, mas algumas coisas teriam de ser  reveladas, afinal são quatrocentos e cinqüenta anos de história! Me diga com franqueza, meu rapaz, você seria capaz de guardar tantos segredos? Ora, que pergunta! Para que serve aos humanos o dom da fala, senão para contar seus “causos” a todo mundo?
              Estou aqui desde o inicio de tudo.  Era só uma sementinha quando fui plantada em 1554, por algum jovem jesuíta que quis embelezar o ambiente e cultivar a natureza, na época em que esta cidade ainda era uma vila. Aí o tempo foi passando, eu fui crescendo, o lugar foi se ampliando, a população também; fez-se então o progresso. E veja só que crueldade: fui perdendo minhas irmãzinhas, que como eu, eram verdes, frondosas e só faziam purificar o ar. Para cada fábrica construída, foi necessário destruir várias de nós de uma só vez. A ganância dos homens é sempre maior do que o desejo de preservar a natureza.
            Felizmente, hoje eu e minhas companheiras temos um lar, o parque mais famoso da cidade. Aqui no Ibirapuera, as pessoas se divertem, cuidam da saúde, respiram ar puro e arte. Está vendo aquela grande concha branca ali? É a Oca, cartão postal que nos foi dado pelo mestre Oscar Niemeyer. Lá dentro, já foram expostas obras de artistas do mundo inteiro! E por falar em artista, toda semana tem um naquele palco. Só músicos de primeira linha se apresentam ali. Eu, que tenho os pés fincados no chão, com o perdão da expressão, não posso dançar, mas com a boa melodia, meu amigo vento se alegra e vem chacoalhar um pouquinho os meus galhos...
            ...Ah, sabia que eu também sirvo de cupido? Olhe meu tronco bem de perto e você verá vários corações com flechinhas desenhados. Confesso que no começo não gostava muito porque o canivete machuca...e os humanos quase sempre se esquecem que nós também somos seres vivos e podemos sentir dor... depois fui me acostumando, ainda mais agora, com essa moda da tatuagem. Aquele casal que caminha de mãos dadas, por exemplo, deu seu primeiro beijo aqui, debaixo da minha copa, e logo, logo subirá ao altar. Tem um outro que se encontrou exatamente aí, onde você está sentado, e nunca mais se separou; e olha que isso foi há uns sessenta anos! É uma pena que os casais desta geração não resistam ao tempo tanto quanto os velhos e as árvores.          
            Está gostando do que vê, amigo? Pois eu lamento informar que nem tudo aqui são jardins e flores. Por vezes, os maus ventos sopram,  trazendo gente ruim. Nem queira saber quantas pessoas eu já vi sendo maltratadas por esta mata adentro. Nessas horas, eu realmente gostaria de poder ajudar a quem tanto precisa, mas o que fazer se meu pai, que mora lá em cima, não me deu voz para ser ouvida?
            Em compensação,  nunca precisarei me preocupar com o aumento de impostos e com o trânsito maluco, nem com as ruas esburacadas e  a fila de desempregados; essas coisas que comentam por aqui.  Sinto muito te dizer isso mas... um dia você saberá do que estou falando... da vida do paulistano. Olha o que acontece: só de pensar nisso, derrubo toda a minha folhagem!
            Viu como há diversas vantagens em ser árvore? Tenho a felicidade de poder contemplar este cenário todos os dias, e de, aos quatrocentos e cinqüenta anos de idade, continuar sendo tão bela quanto era aos quinze. Ainda sou bela, não sou?
            Ei, cadê você ? Ah, já se foi! Mas não importa; muitos outros virão, como vieram ontem, hoje e sempre... por mais quatrocentos e cinqüenta anos.  


Imagens Paulistanas

Nos de folga, são raros os habitantes de São Paulo que optam por fazer um passeio pela cidade e registrar o que nela há de mais atraente. Arriscaria até dizer que poucos paulistanos conhecem bem o lugar onde vivem, o que é uma pena. Mas eu, como cidadã nata e orgulhosa, faço essa opção sempre que posso. Cada dia visito um lugar diferente e vou reconstruindo em minha mente a São Paulo moderna. O dia ensolarado é propício, não porque não goste das nuvens acinzentadas que lhe renderam o apelido de “terra da garoa”, mas porque a luz do sol oferecerá melhores condições para registrar as imagens paulistanas.
            Hoje é dia de visitar a Praça da Sé. Avisto a catedral imponente e solitária, ainda que rodeada por milhares de pessoas. Acompanho os passos apressados dos transeuntes, observando desde o gari, que faz seu trabalho de cabeça baixa, até o executivo que caminha apressado recolhendo sua pasta junto ao corpo, com medo de ser assaltado. Motivos para isso não faltam, há pedintes por todos os lados. Mas aqui, as pessoas já se acostumaram a ter medo.
            A meu lado, um vendedor ambulante grita para atrair freguesia. Eles vendem de tudo: chocolate, cachorro quente, panelas, chaveiros, bijouterias, roupas, rádios de pilha... algumas pessoas se aproximam, olham atentas mas não compram nada; outras animam-se e começam a negociar um produto. Há também os artistas de rua, que cantam, tocam instrumentos, viram cambalhotas, contam piadas. Vale tudo para ganhar a vida.
            Começo a recortar o cenário através da lente da câmera: primeiro os protagonistas da história, o povo, com sua expressão sofrida e sorridente; depois os elementos inanimados da cena: a  clássica catedral, as árvores, o banco da praça, o jardim. E como o tempo passa! Quando vejo já é hora de seguir para a próxima parada: A Avenida Paulista. Vale a pena conhecer cada detalhe do local que é muito mais do que o centro financeiro da terceira maior cidade do planeta. Um lugar que, contrastando com a seriedade dos edifícios comerciais, concentra arte e lazer. Tal diversidade lhe confere o título de ponto mais charmoso de São Paulo. Em frente ao prédio do Masp, mais uma vez, recorto o cenário. Depois o Mam, as galerias, o Parque Trianon e sua paisagem natural, imagens que merecem ser registradas. Os camelôs e mendigos continuam ali, já não sei bem se como protagonistas ou coadjuvantes, representando a face mais triste daquele lugar.
Na Avenida Paulista, as desigualdades saltam aos olhos mais desatentos. Porém, até os mais atentos ficam surpresos ao cair da tarde, enquanto, pouco a pouco, a escuridão toma conta do céu, brigando com as luzes fluorescentes e os letreiros em neon que se destacam noite adentro. Era o sinal que faltava para anunciar a festa .
             É quando os povo começa a  se agitar ao som do rock e do pop das casas noturnas; a tarantela chega aos ouvidos dos freqüentadores das cantinas italianas com aquele sotaque que é nossa marca registrada. E como não falar do samba, que há alguns anos era o campeão entre os ritmos que embalavam os boêmios nos bares da cidade. São Paulo abriga todos os gostos e estilos. Por aqui, os anos passam, mas as tradições persistem.
            São Paulo é tudo isso. É o antigo e a vanguarda, o suor do trabalho de dia e a exaltação dos sentidos à noite, é a consolação e o paraíso; é choro e é riso; é também futebol, é paixão nacional. Assim é composto meu retrato, com a força destas contradições que  inspiram o povo e a arte  mundo afora. Por isso me orgulho de ser parte da energia que faz pulsar o coração do Brasil.   
 
  



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